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Dona Canô, uma entidade que me deu caminho

Foto do escritor: Tacun LecyTacun Lecy


Era um domingo, 22 de janeiro de 2012, estávamos nas trilhas do Recôncavo em direção a São Félix para a Feijoada de Ògún no Ilê Axé Ogunjá. Na passagem por Santo Amaro da Purificação, resolvi fazer uma parada e dar um abraço em meu amigo Rodrigo Veloso. Em frente à famosa casa branca e azul, bati palmas seguidas de um "ô de casa!". Um silêncio... Som dos passos se aproximando, da porta se abrindo e a manifestação do sorriso largo dos Velosos nos dando as boas-vindas. Aí vieram o abraço e o convite: "Menino, você chegou na hora certa!".

Apresentei os amigos Chico e Zuleide − a Kelly ele já conhecia − e adentramos a casa. Paramos na sala onde as muitas fotos da família nos rodeavam e a conversa comeu no centro (o Rodrigo gosta muito!). Mas eu já observava outra fotografia; uma senhora centenária sentada à mesa do quintal da casa, comendo uma feijoada daquelas de cidades do interior, com tudo dentro. "Rodrigo! Vocês ainda deixam ela comer essas comidas pesadas?" − perguntei com espanto. "Oxe! Vocês não sabem de nada. É ela quem diz o que vai comer, meu filho." − revelou.

Como tínhamos um compromisso com Ògún, não a acompanhamos no almoço, porém eu não sairia de lá sem antes prosear com ela. Foi um bate-papo rápido, no qual falamos sobre a possibilidade de realizar as coisas que desejamos fazer. Sim, foi breve! Mas durou o tempo necessário para que eu aprendesse com aquela Ìyãgbà[1] um caminho que se tornaria um adúrà[2] para a minha vida. Foi quando, com o olhar acolhedor e a voz doce, ela me disse: "Meu filho, felicidade é pra quem tem coragem!". Senti a força daquelas palavras. Agradeci o que me foi dado, tomei sua bênção, nos despedimos da família e seguimos nosso rumo para o banquete do General.

Aquele foi o último encontro com Dona Canô neste àiyé[3]. Em dezembro, ela partiu para o ọ̀run[4].

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Três anos e meio se passaram desde que a felicidade passou a ter um outro sentido na minha vida, tornando-se a principal norteadora das minhas caminhadas em busca de conquistas que eu sempre soube que não seriam fáceis. Mas eu acreditava em mim e, de forma instintiva, a coragem funcionou como combustível que me fez tomar decisões e optar por mudanças importantes que naturalmente me colocaram fora de uma certa zona de conforto.

A fotografia e a música seriam o meu arco e flecha nas caçadas que viriam pela frente. Eram as ferramentas que eu utilizaria para construir a minha nova história. Eu só precisava cuidar bem delas, dedicar-me de forma mais intensa e então, após 7 anos e 7 meses (e lá vem o número sete novamente), me desconectei do vínculo ao Governo do Estado da Bahia. Era o fim de um ciclo de aprendizado para início de um ciclo de realizações. A minha revolução começava e eu entrava nas matas, com as armas e o instinto de Caçador que meu Pai me deixou.

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Depois de algumas lutas, conseguimos trazer para a Cidade Nova uma oportunidade para a vida de 30 jovens mulheres da comunidade e, na semana passada, dia 25 de maio, iniciamos a 1ª turma de fotografia da Cidade Nova. Pude sentir nos seus olhos a vontade de brigar por caminhos melhores e, nos próximos dois meses, estaremos alimentando a coragem delas para que aquela felicidade seja um bem comum entre nós.

Segundo o lume dos Lampirônicos, "só é seu aquilo que você dá", e é por isso que "vou aprender a ler prá ensinar meus camaradas".

PS: Essa turma não poderia ser batizada por outro nome que não fosse"Dona Canô". É justo, muito justo, é justíssimo!

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[1] Matrona, matriarca, mulher idosa.

[2] Oração, reza, súplica.

[3] Mundo, existência, tempo de vida, tempo.

[4] Céu.

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