Parafraseando Euclides da Cunha em “Os Sertões”, quando o escritor revelou que havia descoberto que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, eu peço um agô poético para levantar uma bandeira, fazer uma reparação e poder afirmar em potência elevada que “a mulher quilombola é, antes de tudo, uma fortaleza”.
Há algum tempo eu caminho por comunidades remanescentes de quilombos da Bahia, dialogando com os seus habitantes, conhecendo as suas dinâmicas de vidas, entendendo as suas relações e produzindo documentações fotográficas que me permitam, da forma mais digna possível, contar as suas histórias. Nessa trilha, passei por Barra II (Morro do Chapéu), Boitaraca e Jatimane (Nilo Peçanha), Campo Grande (Santa Teresinha), Dandá (Simões Filho), Lagoa Santa (Ituberá), Rio das Rãs (Bom Jesus da Lapa), Pai João e Zumbi II (Euclides da Cunha), Gado Bravo (Caetité) – essas três últimas ainda não certificadas – e, por fim, Quingoma (Lauro de Freitas), a qual eu tive o privilégio de conhecer nesse último final de semana, num contexto e perspectiva um pouco diferentes das visitas e estadias nas comunidades e que, um pouco mais pra frente, terei o imenso prazer em apresentar a vocês.
Por hora, quero destacar que em dez dessas onze comunidades eu pude observar, presenciar e sentir a força dessas mulheres quilombolas. Mulheres que, na plenitude das suas consciências de luta pelo direito aos seus territórios de resistência e pela preservação das suas ligações ancestrais, exibem seus papéis de lideranças em frente às maiores adversidades impostas pelo racismo e pelo Estado.
São agricultoras, artesãs, benzedeiras, pedagogas, comerciantes, estudantes, dançarinas, sambadeiras, professoras, advogadas, cozinheiras, vendedoras, mães de santo, parteiras, curandeiras, servidoras públicas e mais uma infinidade de outras atividades, que agora me falham à memória, que elas abarcam às suas vidas e que se juntam às suas batalhas cotidianas, seja nos conflitos das comunidades, seja nos cuidados das suas famílias.
Para nós, fotógrafos, antropólogos, geógrafos, etnólogos, estudantes... Que dedicamos tempos das nossas vidas para estudar, pesquisar, refletir, fotografar, filmar, escrever e publicar materiais sobre esses povos e seus espaços... Para nós que, de certa forma, mesmo apresentando importantes resultados que contribuem com a luta dessa gente, sempre ganhamos algo com essas relações que estabelecemos... É importante refletirmos que, mesmo com muitas conquistas e avanços, as comunidades quilombolas ainda se encontram em estado de conflito intenso e enquanto nós retornamos para as nossas casas, essas mulheres continuam lá, com as suas famílias, com as suas pelejas, com as suas vidas.
É importante termos cuidado e respeito com o que contamos sobre elas do lado de cá, porque tudo o que nós apresentarmos, será sempre um pequeno recorte do que vimos de uma longa caminhada.
É fundamental observar, que aquelas terras nas quais chegamos com o “olhar de fora”, guardam memórias que só podem ser acessadas através dos sentidos. E é isso! É sensorial! É necessário se conectar de forma orgânica, livre, sem interferências... Sem pré-conceitos. Apenas no sentir. Por os pés na terra e sentir.
A partir daí todas as escritas e narrações ficam mais humanas. E é nesse tipo de ciência que eu tenho depositado as minhas esperanças.
Ao matriarcado de Dona Detinha. À espiritualidade de Mãe Ana. À força de Rejane.
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📷 Fotografia e o texto em homenagem e ao querer bem que sinto por essas pessoas. Em atenção àquelas que trazem no corpo e no espírito a força vital para sustentar a perpetuação das histórias e culturas dos seus antepassados. A foto e o texto são para mostrar que “a mulher quilombola é, antes de tudo, uma fortaleza”.
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